UNIVERSIDADE ABERTA - MESTRADO EM SUPERVISÃO PEDAGÓGIGA

Unidade Curricular: Relações Interpessoais-AICE (2011)

Ana Cristina Louro - Berta Bemhaja - Cidália Painço - Fernanda Rosado - Helena Inês - Maria José Martins

O conflito na escola e o bullying

       O conflito...


Na abordagem sistémica do conflito, Costa e Matos (2006:75) referem que:
- “o conflito resulta de uma perceção divergente de interesses, visões ou objetivos (Deutsch, 1973,); de preferências opostas (Carnevale & Pruitt, 1992); da crença de que os objetivos atuais das partes envolvidas não podem ser atingidos em simultâneo (Rubin, Pruitt, & Kim, 1994);
 - o conflito “é um processo que começa quando um dos elementos perceciona que o outro frustrou, ou está prestes a frustrar o seu objetivo, preocupação, ideia... (Sanson & Bretherthon, 2001),.
Constituindo-se como parte integrante da natureza humana, a realidade conflitual não pode ser relegada para segundo plano nem reprimida por muito tempo. Indissociável aos vários sistemas sociais, não deve ser conotada de imediato de forma negativa (Cunha, 2001, cit. em Marques & Cunha, 2006). Também para Deutsch (2003, cit. em Costa & Matos, 2006:75) conflito deve “ser perspetivado não com uma conotação negativa mas como algo neutro, uma vez que os seus resultados é que podem ser positivos ou negativos dependendo da forma como o conflito é gerido. Os efeitos negativos podem ser a desconfiança, a obstrução da cooperação, a perturbação das relações, o escalar diferenças de posição e conduzir, mesmo, ao confronto violento. Dos efeitos positivos podemos salientar o incentivar a discussão sobre diferentes asuntos, promover formas construtivas de clarificação de divergências, bem como da sua resolução, encorajar uma comunicação mais aberta e espontânea, levndo ao crescimento nas diferentes partes envolvidas na relação.”
O conflito pode assumir-se como um poderoso antidoto contra a estagnação, na medida em que estimula o interesse, tornando-se no meio mais credivel para que os problemas possam ser esclarecidos, debatidos e discutidos, ou seja para que seja possivel encontrar soluções, na medida em que se assume como a raiz das mudanças pessoais e sociais.(Deutsch,1990, cit. em Marques & Cunha). Por outro lado, não sendo o conflito isento de riscos, pode ser responsável por um processo destrutivo ao induzir as partes num ciclo vicioso que se auto perpetua limitando os recursos disponíveis e colocando em questão todo o processo de resolução do problema.
As instituições, mormente a escola, geram quotidianamente uma dinâmica conflitual de ordem e desordem, de mudança e de resistência à mudança. Um baixo nível de conflito nas organizações é passível de se constituir num fator obstrutivo de desempenho, pelo que um nível optimo de conflito será aquele que simultaneamente impossibilita a imobilidade, mas cuja intensidade não coloca em causa a coordenação das atividades dentro do grupo, devendo assumir-se como um parceiro indissociável da mudança através de situações criativas.
O conflito é inevitável e não se devem suprimir seus motivos, até porque ele possui inúmeras vantagens dificilmente percebidas por aqueles que veem nele algo a ser evitado: i) ajuda a regular as relações sociais; ii) ensina a ver o mundo pela perspetiva do outro; iii) permite o reconhecimento das diferenças, que não são ameaça, mas resultado natural de uma situação em que há recursos escassos; iv) ajuda a definir as identidades das partes que defendem suas posições; v) permite perceber que o outro possui uma perceção diferente; vi) racionaliza as estratégias de competência e de cooperação; vii) ensina que a controvérsia é uma oportunidade de crescimento e de amadurecimento social.
Para Johnson e Johnson (1995, cit. em Costa & Matos, 2006), os conflitos na escola podem ser classificados como: i) Controvérsia – quando as ideias, informações, conclusões, teorias e opiniões de um sujeito são incompativeis com os de outro; quando abordada construtivamente a controvérsia académica facilita a aprendizagem bem como a capacidade de tomar decisões e qualidades destas; ii) Conflito conceptual – quando existem simultaneamente ideias incompatíveis, em que a informação recebida não parece ser compatível com o conhecimento pré existente; iii) Conflito de interesses – quando as ações de uma pessoa maximizando os seus objetivos interferem ou bloqueiam as ações de outra que também pretende atingir os seus fins; iv) Conflito desenvolvimental – quando forças opostas de estabilidade e mudança coocorrem em atividades incompativeis entre adultos e crianças.
Num mundo cada vez mais global onde a sociedade da informação é uma realidade, importa olhar a escola e as relações que nela se desenvolvem sob um novo prisma. O conflito em contexto escolar é uma realidade incontornável e intrinseca do nosso quotidiano, pois a escola como espaço de socialização por excelência, assume-se como local previligiado de ressonância das dificuldades e dos conflitos e das potencialidades que o adolescente experimenta.
Os conflitos na escola são de natureza pluricausal. Entre os fatores internos e externos como determinantes do conflito podem ser referenciados: i) o aumento da escolaridade obrigatória; ii) o número de alunos/turma; iii) o decréscimo da autoridade do professor; iv) a menor predisposição dos alunos para aceitarem regras e normas, o que provoca situações de indisciplina.
Chrispino (2007) refere que massificação da educação se, por um lado garantiu o acesso dos alunos à escola, por outro, expôs a escola a um contingente de alunos cujo perfil ela, escola, não estava preparada para absorver. Quando a escola era procurada por um tipo padrão de alunos, com expectativas padrões, com passados semelhantes, os grupos eram formados por estudantes com perfis muito próximos. Com a massificação vieram para a escola alunos com vivências muito diferentes, com diferentes expectativas, com diferentes valores, culturas, hábitos... Este conjunto de diferenças é causador de conflitos que quando não trabalhados, provocam uma manifestação violenta. Na sua tese aquele autor alerta para o facto de que com público muito diversificado podemos esperar que pela diferença entre opiniões, haja conflito no espaço escolar. um conflito criado pela diferença de conceito ou pelo valor diferente que se dá ao mesmo ato. Professores e alunos dão valores diferentes à mesma ação e reagem diferentemente ao mesmo ato e por isso quanto mais diversificado for o perfil dos alunos e dos professores maior será a possibilidade de diferença de opinião e de conflito.
Para Moore (1998:62), os conflitos podem ser: i) Estruturais - padrões destrutivos de comportamento ou interação; controle, posse ou distribuição desigual de recursos; poder e autoridade desiguais; fatores geográficos, físicos ou ambientais que impeçam a cooperação; pressões de tempo; ii) De valor - critérios diferentes para avaliar idéias ou comportamentos; objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos; modos de vida, ideologia ou religião diferente; iii) De relacionamento - emoções fortes; perceções equivocadas ou estereótipos; comunicação inadequada ou deficiente; comportamento negativo – repetitivo; iv) De interesse Competição - percebida ou real sobre interesses fundamentais (conteúdo); interesses quanto a procedimentos; interesses psicológicos; v) Quanto aos dados  - falta de informação; informação errada; pontos de vista diferentes sobre o que é importante; interpretações diferentes dos dados; procedimentos de avaliação diferentes.
Redorta (2004) explicita o conflito de acordo com a  seguinte  tipologia: i) De recursos escassos- quando disputamos por algo que não existe suficientemente para todos; ii) De poder - quando disputamos porque algum de nós quer mandar, dirigir ou controlar o outro; De autoestima:- quando disputamos porque meu orgulho pessoal se sente ferido; iii) De valores- quando disputamos porque os meus valores ou crenças fundamentais estão em jogo; iv) De estrutura:- quando disputamos por um problema cuja solução requer longo prazo, esforços importantes de muitos, e meios que estão além da minha possibilidade pessoal; v) De identidade- quando disputamos porque o problema afeta a minha maneira intima de ser o que sou; vi) De norma - quando disputamos porque os meus valores ou crenças fundamentais estão em jogo; vii) De expectativas - quando disputamos porque não se cumpriu ou se fraudou o que um esperava do outro; viii) De inadaptação - quando disputamos porque modificar as coisas produz uma tensão que não desejo; ix) De informação - quando disputamos por algo que se disse ou não se disse ou que se entendeu de forma errada; x) De interesses - quando disputamos porque os meus interesses ou desejos são contrários aos do outro; xi) De atribuição - quando disputamos porque o outro não assume a sua culpa ou responsabilidade em determinada situação; xii) De relações pessoais - quando disputamos porque habitualmente não nos entendemos como pessoas; xiii) De inibição - quando disputamos porque claramente a solução do problema depende do outro; xiv) De legitimação - quando disputamos porque o outro não está de alguma maneira  autorizado a atuar como o faz, ou tem feito ou pretende fazer.
Os conflitos devem ser enfrentados e resolvidos eficazmente e nesse sentido deve-se: i) diagnosticar a natureza do conflito - o primeiro passo para a resolução do conflito é detetar o problema interpessoal e enunciá-lo com o objetivo de o clarificar; ii) envolver-se com confronto - as partes envolvidas no conflito têm de se confrontar, pessoalmente ou com o auxílio de mediação; tem de haver disponibilidade de todas as partes, bem como vontade de se empenharem na resolução do mesmo sendo necessário nesta fase que ambas as partes exponham o que as afronta; iii) escutar - as partes envolvidas no conflito têm de se ouvir mutuamente, implicando a escuta: atenção às mensagens transmitidas, aos sentimentos e emoções das partes, aos índices não verbais e ao contexto; deixar de pensar no seu ponto de vista e compreender o ponto de vista do outro para que se possam negocias as soluções satisfatórias; iv) resolver o problema - todas as soluções devem ser apresentadas, ponderadas e consideradas; deverá tentar-se que as partes envolvidas manifestem uma atitude de abertura de modo a compreenderes as implicações positivas e negativas de cada uma das soluções; escolhendo-se aquelas que satisfaçam os interesses de ambas as partes.

       ...e o  bullying...



Bullying é um termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (bully) ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender.
Para Afonso e Cervino (2006, cit. em Urra, 2009) o bullying constitui uma conduta agressiva e persistente no tempo, exercida por um indivíduo ou grupo, que provoca baixa auto estima, isolamento e exclusão social da vitima. Este tipo de conduta evidencia-se através de insultos, ameaças, intimidação psicologica e agressões fisicas repetidas e com tendência para aumentar em intensidade e frequência, não inclui o que por vezes existe de agressivo, competitivo, discriminador e que em pequenas doses faz parte das relações do dia a dia entre crianças e adolescentes. Não é por isso uma agressão esporádica, nem uma brincadeira pontual, nem um conflito entre iguais. Trata-se de um intimador ou vários com força fisica ou poder psicológico que se mete com um jovem mais débil psiquica ou fisicamente vítima impotente para sair sozinha da situação de forma reiterada sem qualquer razão e sem que ninguém de entre os que os rodeiam e observam atue para evitar esta terrivel situação.
Para Catani (2004, cit. em Lima & Lucena). são vários os fatores que podem potenciar o aparecimento de bullying: a personalidade, a dificuldade nas relações sociais, a autoestima, a perceção do problema, o ser vitimizado na escola ou fora dela, a violência na comunidade, os desajustes familiares, as práticas educativas parentais, o contexto escolar, a alienação escolar (falta de motivação e envolvimento) e a violência nos media. Podem no entanto atenuar o aparecimento de bullying com: uma autoestima positiva; uma habilidade/capacidade de resolução de conflitos e autorregulação; uma rede de amizades;um ambiente escolar saudável, protetor e motivador; um ambiente familiar harmonioso e a diminuição da violência na comunidade.
Os modos de intimidação e de assédio (chacotas e insultos; ameaças ou extorsões através de telemóveis e correio eletrónico, chantagens como a de pedir dinheiro e/ou de obrigação de fazer os deveres do acossador; exigências de ofertas) dependem da idades e do sexo. Os rapazes estão muito mais envolvidos do que as raparigas nos casos de agressão ativa. e também um pouco mais como vitimas, podendo afirmar-se que o bullying tanto na sua forma ativa como passiva é um comportamento mais frequente nos rapazes do que nas raparigas.
Os autores do bullying têm, de uma forma geral, opiniões positivas sobre si mesmos, apresentam necessidade de dominar e subjugar e podem ter um comportamento hostil até mesmo contra adultos. São impulsivos, toleram mal as frustrações e não são ansiosos ou inseguros. Podem apresentar ainda outros comportamentos antissociais e são, frequentemente, fisicamente mais fortes (e também mais velhos) do que as suas vítimas. Lopes (2005, cit. em Lima & Lucena ) chama a atenção para o facto da existência de condições familiares adversas (por exemplo, a desestruturação familiar, o relacionamento afetivo pobre e o excesso de permissividade dos pais), ser um fator que contribui significativamente para o desenvolvimento da agressividade e, consequentemente, para a formação do bullying.
A escolha das vítimas parece, de algum modo, obedecer a determinados critérios: possuidores de defeitos físicos mesmo que diminutos (ex: o uso de óculos), uma história escolar digna de observação (o melhor aluno,…), origem social ou étnica e o género, aos quais, não raro, se associa um baixo estatuto sócio-económico.
A vítima típica de bullying é geralmente tímida, tranquila, submissa e sensível; possui baixa autoestima, é insegura, pouco sociável e pode ser fisicamente mais frágil que os seus agressores. Por norma, dispõe de poucos recursos para se defender das agressões e frequentemente é acometida de depressão.  Há um segundo tipo de vítima – a vítima provocativa –, que apresenta as mesmas características de depressão, baixa autoestima e ansiedade que a vítima típica, mas combina "padrões de reação ansiosos e agressivos” (Catini, 2004, cit. em Lima & Lucena). O seu modo de agir evidencia hiperatividade, inquietação, dispersão e comportamentos ofensivos, podendo mesmo responder aos ataques dos bullies, se bem que de forma inócua. Está ainda propensa a agredir colegas mais frágeis, como forma de encobrir as suas limitações e a sua humilhação. Esta vítima tem um alto índice de rejeição entre os seus pares, o que não ocorre com a vítima típica.
Durante o período de tempo em que os atos são continuados, existe uma relação interpessoal caracterizada por uma assimetria de poder e de resistência. O agressor desencadeia sistematicamente uma série de reiterações de modo a intimidar a vítima, deixando-a exposta física e emocionalmente à mercê dos seus intentos, perante a indiferença ou cumplicidade de outros alunos. São frequentes nas vítimas, "sequelas" psicológicas havendo manifestações dos seguintes tipos de comportamentos: vivência em pânico com a ideia de ir à escola, tristeza, nervosismo,  isolamento e, por vezes até, pensamentos suicidas.
Enquanto a prática de agressão é vista pelos agentes como um meio de obter estatuto dentro de um grupo, ou como forma de atingir determinado objetivo, muitos observadores sentem-se inseguros e impotentes perante o fenómeno. Com o tempo, a observação frequente de comportamentos violentos provoca-lhes indiferença e aprendem a distanciar-se.
Em termos gerais são considerados: i) o bullying ativo que consiste em comportamentos físicos ou verbais, no ataque ou destruição de objetos pertencentes à vítima ou na ofensa verbal direta; ii) o bullying passivo que consiste na rejeição, na marginalização ou difamação do sujeito.
Relativamente às características da agressão  são identificados os seguintes tipos de bullying: i) físico (bater, pontapear, beliscar, ferir, empurrar, agredir); ii) verbal (apelidos, gozar, insultar); iii) moral (difamar, caluniar, discriminar, tiranizar);  iv) sexual (abusar, assediar, insinuar, violar sexualmente); v) psicológico (intimidar, ameaçar, perseguir, ignorar, aterrorizar, excluir, humilhar);  vi) material (roubar, destruir pertences materiais e pessoais); vii) virtual (insultar, discriminar, difamar, humilhar, ofender por meio da Internet e telemóveis).
Um outro tipo de bullying começa agora a surgir e com ele uma enorme preocupação em encontrar possibilidades viáveis de resolução eficaz: o cyberbullying,  que é uma vertente do bullying, em franca expansão, com contornos sociais diferentes, implicações psicológicas e sociais devastadoras e por último com um impacto direto no ambiente escolar onde é perpetrado. Define-se como, ameaças ou comportamentos ofensivos enviados via meios eletrónicos de comunicação online para a, ou as vítimas. Podem ser também informações/ameaças/agressões, com os mais variados formatos, imagens, fotos, vídeos ou texto, colocados e difundidos online, sobre e para uma vítima, com o objetivo de que outros vejam.
Independentemente variações permitidas pelo uso das tecnologias existem fatores distintos entre o cyberbullying e o bullying que pode fazer uma grande diferença nos resultados psicológicos e sociais das vítimas. Enquanto no bullying, dito convencional, se tem conhecimento de quem é a vítima e o agressor, estes conseguem-se identificar entre eles. O agressor é identificado e passível de ser evitado. No cyberbullying o agressor pode ser qualquer um ao nosso redor, podendo ser um indivíduo que se encontra perto ou longe de da vítima, como alguém que podemos conhecer ou não. O fator de desconhecimento de quem é o agressor, amplia exponencialmente a pressão psicológica e o medo.
O bullying é perpetrado dentro e em redor do espaço escolar, o cyberbullying não tem delimitação espacial, “acompanha” a vítima. Esta só consegue ver-se livre da agressão, isolando-se tanto da comunidade como das tecnologias, computador e telemóvel. O sentimento da vítima em relação ao cyberbullying pode ser expressa na seguinte  expressão: “you can run, but you can´t hide” e a não existência de um “porto seguro”, é mais um motivo de stress para a vítima, que tem a sensação de estar constantemente a ser observada e controlada pelo agressor.